Último deserto

 

Percorri desertos, na sua infinita pequenez. Das drogas e outros desamores, já só a música sobrevive. Não me tenho, enfim, em grande conta, até porque me conheço. Façam, como eu, tábua rasa dos livros que publiquei. Embora inúteis, foram-me necessários para chegar aqui, a este último deserto.

Mas chegaram entretanto as donas gatas. Talvez irmãs, sofreram juntas o baptismo das ruas, a permanência numa jaula, infernos que não sabemos. Têm agora uma casa, uma grande razão (para nós também). A Lou aninha-se junto da Inês, enquanto escrevo estas linhas; passou da extrema desconfiança a uma ternura tão negra e fiel como o seu pêlo. A Daisy, palhaça tricolor e não menos carente, procura-me noite dentro o colo, diz coisas inadiáveis enquanto lhe toco o áspero dorso. E tenho, de repente, uma razão para viver - ao vosso lado.

Manuel de FreitasUbi Sunt

Imagem: MB, Moita, 27.10.2024



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