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Súplica

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  Súplica Agora que o silêncio é um mar sem ondas, E que nele posso navegar sem rumo, Não respondas Às urgentes perguntas Que te fiz. Deixa-me ser feliz Assim, Já tão longe de ti como de mim. Perde-se a vida a desejá-la tanto. Só soubemos sofrer, enquanto O nosso amor Durou. Mas o tempo passou, Há calmaria... Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria Matar a sede com água salgada. Miguel Torga , in 'Câmara Ardente' Imagem_ MB, Guia, 04.08.2020

Dia de verão

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  Soneto 18 Comparar-te a um dia de verão? Há mais ternura em ti, ainda assim: um maio em flor às mãos do furacão, o foral do verão que chega ao fim. Por vezes brilha ardendo o olhar do céu; outras, desfaz-se a compleição doirada, perde beleza a beleza; e o que perdeu vai no acaso, na natureza, em nada. Mas juro-te que o teu humano verão será eterno; sempre crescerás indiferente ao tempo na canção; e, na canção sem morte, viverás: Porque o mundo, que vê e que respira, te verá respirar na minha lira. William Shakespeare , Sonetos Imagem: MB, Lisboa, 27.07.2019

Lisboa

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Ó Cidade da Luz! Perpétua fonte De tão nítida e virgem claridade, Que parece ilusão, sendo verdade, Que o sol aqui feneça e não desponte... Embandeira-se em chamas o horizonte: Um fulgor áureo e róseo tudo invade: São mil os panoramas da Cidade, Surge um novo mirante em cada monte. Ó Luz ocidental, mais que a do Oriente Leve, esmaltada, pura e transparente, Claro azulejo, madrugada infinda! E és, ao sol que te exalta e te coroa, — Loira, morena, multicor Lisboa! — Tão pagã, tão cristã, tão moira ainda... Alberto de Oliveira , in Poemas de Itália e Outros Poemas Imagem: MB, Lisboa, 25.07.2019 

Amadurecer

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  "Coração só amadurece quando ama pelo menos umas duas vezes na vida. A primeira por inocência e a segunda por loucura." Diego Vinicius Imagem: MB, Barreiro, 30.12.2018

Pelo menos ...

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  PELO MENOS Quero levantar-me cedo uma manhã mais, antes do nascer do sol. Antes mesmo dos pássaros. Quero atirar água fria à minha cara e estar à minha mesa de trabalho quando o céu clarear e o fumo começar a sair das chaminés das outras casas. Quero ver as ondas a quebrarem-se nesta praia rochosa, não ouvi-las apenas a bater, como fiz toda a noite durante o meu sono. Quero ver de novo os navios que passam pelo estreito vindos de todos os países marítimos do mundo - os cargueiros velhos e sujos movendo-se vagarosamente e os novos e rápidos navios de carga pintados, sob o sol, de todas as cores que cortam a água à medida que avançam. Quero manter-me de olhos bem abertos por eles. E pelos pequenos barcos que manobram na água entre os navios e o porto, junto ao farol. Quero vê-los receberem um homem que sai do navio e a pôr outro lá em cima, a bordo. Quero passar o dia a ver isto acontecer e tirar as minhas conclusões. Detesto parecer ganancioso - e já tenho tanto pelo qual devo ficar a

Sou de vidro

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  Meus amigos sou de vidro Sou de vidro escurecido Encubro a luz que me habita Não por ser feia ou bonita Mas por ter assim nascido Sou de vidro escurecido Mas por ter assim nascido Não me atinjam não me toquem Meus amigos sou de vidro Sou de vidro escurecido Tenho fumo por vestido E um cinto de escuridão Mas trago a transparência Envolvida no que digo Meus amigos sou de vidro Por isso não me maltratem Não me quebrem não me partam Sou de vidro escurecido Tenho fumo por vestido Mas por assim ter nascido Não por ser feia ou bonita Envolvida no que digo Encubro a luz que me habita Lídia Jorge, in O Livro das Tréguas Imagem: MB, Moita, 26.07.2020  

Onde o fogo

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  " A boca onde o fogo de um verão muito antigo cintila, a boca espera (que pode uma boca esperar senão outra boca?) espera o ardor do vento para ser ave, e cantar." Eugénio de Andrade Imagem: MB, Moita, 05.10.2016