O que será que me dá

"O que será que me dá
 Que me bole por dentro, será que me dá
 Que brota à flor da pele, será que me dá
 E que me sobe às faces e me faz corar
 E que me salta aos olhos a me atraiçoar
 E que me aperta o peito e me faz confessar
 O que não tem mais jeito de dissimular
 E que nem é direito ninguém recusar
 E que me faz mendigo, me faz suplicar
 O que não tem medida, nem nunca terá
 O que não tem remédio, nem nunca terá
 O que não tem receita
 O que será que será
 Que dá dentro da gente e que não devia
 Que desacata a gente, que é revelia
 Que é feito uma aguardente que não sacia
 Que é feito estar doente de uma folia
 Que nem dez mandamentos vão conciliar
 Nem todos os unguentos vão aliviar
 Nem todos os quebrantos, toda alquimia
 Que nem todos os santos, será que será
 O que não tem descanso, nem nunca terá
 O que não tem cansaço, nem nunca terá
 O que não tem limite
 O que será que me dá
 Que me queima por dentro, será que me dá
 Que me perturba o sono, será que me dá
 Que todos os tremores me vêm agitar
 Que todos os ardores me vêm atiçar
 Que todos os suores me vêm encharcar
 Que todos os meus nervos estão a rogar
 Que todos os meus órgãos estão a clamar
 E uma aflição medonha me faz implorar
 O que não tem vergonha, nem nunca terá
 O que não tem governo, nem nunca terá
 O que não tem juízo"
Chico Buarque
Imagem: MB, Samouco, 28.04.2018





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