As torres que erguemos

 

Já tive torres internas que foram ao chão. Torres altas demais para mim, torres que nem chegaram a ficar concluídas
(as de dentro nunca se concluem), torres que me exigiram esforço e que me deram prazer, até que alguém, com uma frase,
ou com um gesto, as fez virem abaixo. Tinha gente dentro, tinha eu.
Torres são visíveis, monumentais: viram alvo. Um projeto empolgante demais, uma paixão incontrolável demais, um desejo
ardente demais, idéias ameaçadoras demais: tudo isso sai da linha plana da existência, coloca-nos em evidência, a gente
acha que os outros não percebem, mas percebem, e que ninguém se assusta, mas se assustam. Quem nos derruba? A nossa vulnerabilidade.
Tem gente que perde um grande amor. Perde mais de um, até. E perde filhos, pais e irmãos. Tem gente que perde a chance de mudar
de vida. E há os que perdem tempo. Os anos passam cada vez mais corridos, os aniversários se repetem. Tem gente que viu sua empresa
desmoronar, sua saúde ruir, seu casamento ser atingido em cheio por um petardo altamente explosivo. Tem gente que achava que iria
ter a chance de estudar mais tarde e não estudou. E tem os que acharam que iriam ganhar uma medalha por bom comportamento e não
receberam nem um tapinha nas costas.
E no entanto ainda estamos de pé, porque não ficamos apenas contando os meses e os anos em que tudo se passou.
Construímos outras torres no lugar. Não ficamos velando eternamente os atentados contra nossa pureza original.
As novas torres que erguemos dentro serão sempre homenagens póstumas às nossas pequenas mortes e uma prova de
confiança em nossas futuras glórias.
Martha Medeiros

Imagem: MB, Moita, 16.02.2023



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