Não estou feliz
Não estou feliz.
Todas as vidas que interessam têm de ter esta frase. Às vezes não estou feliz, às vezes não sou o melhor profissional do mundo, a melhor pessoa do mundo. Não dizemos isto. Estamos todos amolgados por dentro mas temos a pintura imaculada por fora.
Somos sucata presa por arames, mas com smiles na carroçaria.
É a bosta da indústria da felicidade. É uma ditadura mórbida, asquerosa. Poucas coisas são mais tóxicas do que a tirania da felicidade. É uma fábrica de felicidade enlatada. Compramos pacotes de “gratidão”, inscrevemo-nos em cursos de “amor próprio”, repetimos os mantras de gurus mais infelizes do que nós. No fim, ficamos com o sabor azedo de não correspondermos ao molde. É uma orgia hipócrita de máscaras, uma feira de mentiras, de sorrisos de plástico.
Não estou feliz.
Que todos tenhamos a coragem de o dizer, pelo menos a nós próprios. A tristeza não mente, é nossa, também somos dela, e é daí que vem a grandeza absoluta: sermos todos os pedaços que temos em nós. Querer estar sempre feliz é meio caminho andado para a mais devastadora das infelicidades. A dor é honesta, por mais que seja uma cabra. A consciência da imperfeição ajuda-nos a respirar.
Não estou feliz.
Ainda assim, continuo. Eis tudo.
Pedro Chagas Freitas, O HOSPITAL DE ALFACES
Imagem: MB, Moita, 20.09.2025
Comentários
Enviar um comentário