Os Nossos Moinhos de Vento
Há em cada homem, por mais cético que seja, um Quixote latente, uma alma armada de lanças enferrujadas e sonhos intactos. Vivemos, em grande parte, movidos por fantasmas, por causas imaginárias, por lutas que, aos olhos do mundo, não passam de devaneios. E no entanto, é precisamente aí, nesse espaço onde a razão se despede e o delírio começa, que residem os nossos moinhos de vento.
Os nossos moinhos não giram no campo de La Mancha, mas nas planícies interiores da consciência. São feitos de desejos antigos, de medos recalcados, de feridas mal cicatrizadas, de ideais que resistem à morte. Eles não estão fora, mas dentro, e é por isso que nos perseguem, por isso que, mesmo mudando de cidade, de emprego ou de rosto, continuam lá, girando com a mesma obstinação silenciosa, como se sussurrassem que, enquanto não forem enfrentados, não haverá descanso.
Cada um carrega os seus. Para uns, o moinho é o amor não correspondido que se transformou em obsessão. Para outros, é a expectativa paternal que nunca foi alcançada, e que agora se ergue como torre de vigilância sobre cada fracasso. Há quem lute contra a própria sombra, quem veja na crítica um ataque, quem transforme a ausência em rejeição e o silêncio em abandono. Os moinhos são, quase sempre, projeções das nossas urgências mais íntimas, arquétipos de uma batalha que é menos contra o mundo do que contra si mesmo.
Mas que dignidade há em viver sem esses confrontos? O homem que nunca duelou com seus próprios moinhos talvez tenha sobrevivido, mas não viveu. Pois viver, no sentido mais profundo, é arriscar-se ao ridículo, é montar em cavalos cansados e sair em busca de justiça, mesmo sabendo que o mundo preferirá sempre o conforto da covardia à grandeza do delírio.
Não se trata, portanto, de vencer os moinhos, mas de saber por que os enfrentamos. Quixote não derrota os seus, mas os dignifica. A loucura dele, aos olhos modernos, talvez seja mais lúcida do que a lucidez apática que rege tantos dias cinzentos. Ele escolhe lutar, mesmo que tudo diga não. Escolhe amar, mesmo que a amada seja apenas uma projeção. Escolhe acreditar, mesmo que o mundo tenha se tornado um deserto de ironia e pragmatismo.
Nossos moinhos são símbolos. Representam aquilo que não aceitamos ser, aquilo que tememos encarar, aquilo que precisamos transcender. A luta contra eles é, no fundo, uma forma de nos mantermos humanos, e não apenas funcionais.
Há nobreza em quem ousa ir ao encontro daquilo que o assombra. Há poesia em enfrentar ventos que, embora imaginários, ainda nos derrubam com a força de uma verdade interior. E há grandeza em quem, ao cair, ergue-se não com ressentimento, mas com um sorriso triste, como quem sabe que, mesmo derrotado, continua cavalgando rumo ao que ainda vale a pena sonhar.
Talvez seja essa a mais profunda definição de coragem, seguir adiante mesmo sabendo que, ao fim do dia, o moinho continuará girando. Porque enquanto girar, haverá em nós algo que pulsa, que insiste, que não se dobra. E isso, só isso, já basta para justificar a loucura sagrada de existir.
Oliver Harden
Imagem: MB, Mikonos, 17.08.2015
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