O platonismo das poças de água

 

"(...) tinha um enorme fascínio por reflexos de todo e qualquer tipo, ainda que preferisse os que vislumbrava em pequenas poças de água. Era a efemeridade da representação que o emocionava, a imagem distorcida e fugaz de uma outra realidade. O reflexo, intangível, era uma imitação da verdade, mas surpreendia-o sempre, como um encantamento, a descoberta de alguns elementos nas pequenas poças de água em que o mundo se reflectia - como o vento, as cores da gasolina à superfície, uma ou outra folha seca, o lixo - e que alteravam a cópia espelhada, tornando-a única, precisamente graças a essas imperfeições contingentes e transitórias. (...) O que, porém, o distinguia de um platónico é que ele dava mais valor às sombras do que às Formas, preferia as imagens das poças de água à putativa perfeição de um mundo Ideal."

Afonso Cruz, in Sinopse De Amor e Guerra", Companhia das Letras

Imagem: MB, Moita, 23.06.2023



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