O que resta

 

"Talvez o que reste seja a ternura - ou a gentileza. John Berger, um grande escritor, definia gentileza como aquilo que nos faz tratar bem as pessoas porque sabemos que um dia elas vão morrer. A gentileza é a delicadeza de um mortal em relação a outro; o puxar modesto da cadeira para o avô se sentar sem esforço; o pequeno toque na boca do amigo que, sem perceber, tinha manteiga no canto dos lábios - e que com esse toque subtil desaparece.
Serão estas delicadezas, quase insignificantes - de alguém que trata o outro como mortal, objecto de cuidado e protecção -, que restarão.
O que resta, então, ao humano? Em síntese: o corpo, a gentileza, a possibilidade de dançar até sem música, etc.
Infelizmente, dirão uns; felizmente, dirão outros: só o corpo, os seus sensores e a sua potência para a gentileza são verdadeiramente humanos; a inteligência já não.
Que o humano consiga ser então, pelo menos, o mais gentil da Criação."

Gonçalo M. Tavares, in A Máquina 'sapiens', o 'homo' gentil, crónica na revista E, jornal Expresso, 19.05.2023

Imagem: MB, Azeitão, 10.06.2023



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