Inventário


 Faço um inventário

do que meu pai
deixou na minha porta
mesmo antes que eu
nascesse.
Alguns dons,
um jeito de olhar
a vida, as árvores,
as nuvens
e principalmente
o outro.
Me ensinou a afiar
as palavras delicadas,
as que acariciam,
as que são sede,
seda e semente.
Me deixou um certo
jeito de andar pisando
com cuidado
para deixar apenas
as pegadas necessárias.
Aprendi com ele
que as palavras
são a assinatura
de todas as coisas
e que elas valem feito
os acordes dos pássaros
construindo a manhã.
Assim o que deixou
meu pai na minha porta,
como roupas
brancas quarando
ao sol.

Roseana Murray, in Poemas para metrôomo e vento
Editora Penalux, 2018

Imagem: MB, Moita, 08.12.2024



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