Filosofia do amor
Enquanto esperas que te dêem o troco, tomo nota do teu perfil sob a cortina dos cabelos recortados na linha em que testa e sobrancelhas se juntam, deixando apenas um fragmento de pele por entre uma breve abertura da franja. Aí, nesse caminho entre o balcão e a mesa, trazendo o tabuleiro em que pousaste o copo e a bebida, atravessas a fronteira entre o espaço de um desenho abstracto, que comecei no caderno da minha cabeça, e a realidade de um fim de tarde que me fez pensar na definição filosófica do amor como pura disjunção, ou seja, essa dissociação que os filósofos fazem da unidade dos amantes, o que os leva a considerar que tudo nasce da diferença, da separação entre um e o outro. Mas enquanto bebias o sumo, sentia-o correr na minha garganta, como se a vida fosse uma prova do contrário do que dizem os filósofos, pelo menos neste preciso ponto em que nos sentimos um como o outro. Nuno Júdice Imagem: MB, 05.10.2016, algures entre Moita e Rosário